A Menina que adorava Doces

 
     Os pais de Rita não souberam como lidar com o problema que estava na sua frente. Sabrina, sua irmã, estava arrumando confusão na escola mais uma vez. Mesmo sendo uma menina muito popular, esperta e simpática, ela insistia em aprontar, achando que isso a tornava especial. Seus já não sabiam o que fazer, quase todo seu tempo livre era para resolver confusões causadas por ela e desculpar-se com as maiores vítimas.
 
- Já ouvimos o suficiente, Sabrina - disseram seus pais, depois de ouvir suas explicações - Vá para o seu quarto. Está de castigo.
 
     Rita sempre presenciava essas discussões entre seus pais e sua irmã. Mesmo sendo a caçula, ela sempre procurava ser obediente e responsável para poder aliviar a carga de seus pais com relação a suas preocupações. Porém, toda essa boa conduta 24h por dia, resultava em muita pressão, que nem sempre ela conseguia suportar. No final das contas, ela se sentia mal pelas broncas que sua irmã tomava, mas no fundo ela queria mesmo era ser um pouco como ela.
 
     Foi para o quintal de sua casa, precisava de um pouco de ar. Toda aquela briga a havia sufocado um pouco. Mais tarde ela iria conversar com sua irmã, mas naquele momento não tinha condições disso. Ficava repassando todas as palavras e expressões faciais de seus pais e começou a sentir sua cabeça latejar. Sentiu palpitações e falta de ar, como se estivesse presa dentro de uma caixa pequena. Sabia do que estava precisando.
 
     Foi correndo até outra parte do quintal, seu pai tinha um quartinho, no qual ele utilizava como um escritório. Entrou nele e foi até um pequeno armário que havia num canto. Abriu uma das portas e olhou, maravilhada o que estava na sua frente. Umas latas de doces que seu pai guardava para comer de vez em quando. Ela sabia que seu pai gostava de doces também e sempre podia contar com essas latas.
 
     Seu coração palpitava mais. Ela pegou a lata e abriu-a, ficando mais maravilhada ainda: pé-de-moleque, um de seus doces preferidos. Sentindo suas mãos tremerem, ela pegou dois doces e abriu um deles, comendo-o desesperadamente logo em seguida. Sentiu nitidamente o gosto do amendoim misturado com o açúcar caramelado  e cada vez que mastigava sentia os efeitos de todo aquele açúcar no seu corpo e acabava entrando numa espécie de êxtase, que só acabava na última mordida do último doce.
 
     Sentia aos poucos os seus sentidos voltarem. As palpitações diminuíram, sua respiração estava melhorando, e ela não se sentia mais tremendo. Passou a respirar mais devagar, esperando que tudo no seu corpo se normalizasse. Instantaneamente ela sentia-se novamente dona de seus sentidos, sem nenhum latejar, dor ou sensação estranha que fosse. Os doces funcionavam para ela como uma espécie de remédio, que fazia seu efeito na hora e com o qual ela sempre podia contar.
 
     Tinha medo de que seu pai descobrisse que ela estava roubando doces dele, mas sabia que em breve teria dinheiro e poderia comprar seus próprios doces, sem maiores problemas. Sabia que aquela necessidade absurda que ela tinha de comer doces não era normal, mas não conseguia evitar. A cada vez que ficava nervosa, tensa, com medo ou com qualquer outra sensação intensa, seja ela boa ou ruim, ela recorria aos doces. Além disso, os doces lhe ajudavam a lidar com os problemas, eram seus melhores amigos e ela não ia abrir mão deles.  
 
     Foi até o seu quarto e encontrou Sabrina sentada na cama, abraçando seu travesseiro, olhando para o nada.
 
- Meu pai disse que quando você quiser ver TV tem que ir lá na sala. Meu castigo também inclui ficar sem ver TV.
 
     Rita assentiu, sentando-se ao lado dela.
 
- Ok, mas não quero ver TV agora, prefiro ficar e conversar com você.- Disse, acariciando seus cabelos.
 
-  Pra quê? Não acha que eu já ouvi sermões o suficiente?
 
     Sabrina tentava sempre parecer durona, mas Rita sabia que ela não era bem assim. Sabia que ela estava prestes a desabar, começando a chorar, mas quis lhe dar espaço.
 
- Na verdade eu queria saber porque você age desse jeito. Por que está sempre numa confusão?
 
     Sabrina pensou em dar uma resposta impetuosa para Rita, mas sabia que ela não era como seus pais. Ela era sincera nos seus sentimentos e se preocupava de verdade com ela. Ela era uma das poucas pessoas que não esperava o pior dela e Sabrina não queria perdê-la. Pensou em mentir pra ela para se aliviar, mas Rita parecia ter um dom sobrehumano de descobrir quando ela mentia. Assim, ajeitou-se na cama e começou a falar o que lhe acontecera.
 
- Meus amigos me desafiaram de pegar o gabarito da prova de matemática da bolsa da professora. Eu nunca rejeitei um desafio, você sabe. Aí, eu aproveitei um momento de distração da professora, abri sua bolsa e o peguei. O problema é que o inspetor me viu saindo com o gabarito da minha mão, arrancou de mim e me levou pra sala da diretora. - deu de ombros com desdém - E aqui estou eu.
 
     Rita lamentou ter ouvido cada palavra que Sabrina lhe contou. Era lamentável ver que sua irmã não só estava perdendo a noção como ela estava também na companhia de pessoas que a acompanhava e estimula nesse mau comportamento. Quis ajudá-la:
 
- Meu Deus, Sabrina, por que você se presta a fazer essas coisas? O que você ganha com isso? Você é inteligente demais pra ter esse tipo de atitude e ainda persitir em cometer esses erros. Foi porcausa de atutudes como estas que você está repetindo o ano mais uma vez!
 
     Sabrina levantou-se para pegar sua mochila. 
 
- Eu agradeço pela sua fé em mim, maninha, mas tudo que eu queria agora era me deitar um pouco e esquecer por uns minutos que eu estou sem TV, internet e qualquer outro tipo de diversão por um mês. E detalhe: eu já tenho dezenove anos. 
 
- E poderia estar trabalhando ou fazendo uma faculdade ou as duas coisas se não tivesse esse tipo de comportamento...
 
- Qual foi a parte de que você não iria dar sermões mesmo?
 
     Rita percebeu até aonde aquela conversa iria, resolveu parar por aí. Observou-a deitar-se e pegar seu livro. era bom ter um pouco de distração nessas horas, ia dar esse espaço pra ela. No dia seguinte conversaria um pouco mais com ela. Tinha uma razão para que sua irmã agisse daquele jeito e tentaria ao máximo descobrir qual era. Sentia-se melhor depois da sua dose de remédio, mas sabia que no dia seguinte precisaria de mais. Desceu para ver TV com seus pais e conversar com eles. Às vezes ajudava.
...
 

     O dia seguinte das duas irmãs foi bem parecido. As duas foram a escola, assistiram as aulas e conversaram com seus amigos. Somente alguns detalhes foram diferentes; os amigos de Sabrina ficaram caçoando dela, por ela estar de castigo, enquanto a amiga de Rita lhe apoiava e se preocupava com ela, por ajudar tanto a sua irmã. As duas aguardavam ansiosamente o ultimo sinal tocar para poderem ir pra casa. Aquele dia parecia ser longo.

     As duas se encontraram no final da aula para irem embora juntas.

- Estou louca para esse ano acabar – disse Sabrina, ajeitando sua mochila – Recebi uma pilha de exercícios pra fazer e ouvi mais sermões ainda da diretora. Esse assunto parece que não vai acabar nunca!

- É só você mudar a sua postura que eles vão logo ver a sua mudança. – Aconselhou-a Rita, e acrescentou, receosa – E parar de andar com esses “amigos”.

- Eles são legais, Rita! – Defendeu-os Sabrina- Você é que não os conhece bem.

- Eu não acho que pessoas que estimulam a gente a fazer coisas erradas possam ser consideradas como “legais”.

- Ta certo, senhora “certinha” - zombou Sabrina, querendo mudar de assunto – Você quer um doce? Acho que ainda me sobrou algum dinheiro da mesada.

 

     Aquela pergunta sempre causava um arrepio em Rita. Havia uma lojinha de doces perto da escola na qual ela sempre comprava doces. Tinha desde os caseiros até os fabricados. Os atendentes até a conhecia. Rita sempre sonhou em ter uma loja dessas. Mas naquele momento se contentava apenas em freqüentá-la. Tentou manter a frieza para responder o que Sabrina lhe perguntou.

 

- Só se for pra viagem. Eu não quero estragar o apetite para o almoço.

 

Sabrina sorriu, já esperava aquela atitude da parte de Rita.

 

- Ok. Escolha o seu doce.

 

     Rita não perdeu tempo escolhendo o seu doce, pediu logo o seu favorito: sonhos. Ela amava principalmente os de creme. Optou pelo que tinha mais creme, mas o atendente já sabia o seu gosto. Sabrina também escolheu o seu doce, esperaram embrulhar e foram embora. O dia ainda tinha continuidade para elas e saber que haveria uma doce compensação depois do almoço só fazia que as palpitações de Rita se acelerassem.

 

      Era incrível, mas saber que estava perto de comer um doce ajudava Rita até a comer melhor, sem deixar sobrar nada no prato. Ela nem prestou atenção direito no que estava comendo, apenas se concentrava no que iria comer depois. Seus pais lhe perguntavam pelo seu dia e pelo comportamento de Sabrina na escola, Rita apenas dava respostas monossilábicas, sem nem olhar nos olhos deles. Parte dessa atitude era porque ela já sabia que perguntas seriam feitas e que respostas daria, não teve muita preocupação. Terminou de comer, levou o prato até a pia, lavou-o e foi até o armário pegar o seu remédio. Levou-o até o quarto, para comê-lo com privacidade.

     Entrou no seu quarto, sentou-se na cama, desembrulhou o doce e começou a comê-lo. Sentia-se como se nunca tivesse comido antes nada antes, ou como se as outras coisas que tivesse comido antes não tivessem a menor importância. Tudo que queria era sentir aquele doce do creme em seu paladar, aquela sensação maravilhosa do açúcar correndo pelas suas veias, a caminho do seu estomago. Nada mais importava. Seu mundo ficava interrompido a partir daí.

    Sabrina observava enquanto sua irmã comia o sonho. Ela não sabia que estava sendo vista, o que era bom, porque assim ela pode observar o comportamento da sua irmã e perceber que algo estava errado. O jeito como ela estava devorando o sonho não era de uma pessoa normal. Sentiu um arrepio quando viu que algo estava muito errado com sua irmãzinha e, infelizmente, nem ela nem seus pais nunca haviam percebido.

...

     Rita chegou em casa junto com Sabrina, mas assim que entrou em casa, viram seus pais sentados no sofá da sala, como se estivessem esperando por ela. Mas dessa vez o problema não era com Sabrina.

- Vá para o seu quarto, Sabrina, queremos falar com a sua irmã.

     Sabrina não pôde esconder seu alívio. Foi para o seu quarto.    

- Sente-se - disse seu pai, num tom cordial –. Queremos conversar com você.

     Rita sentou-se cautelosamente na cadeira, achando estranho o jeito dos pais. Tinha medo de que eles estivessem chateados com sua irmã novamente e quisessem falar com ela em particular, mas o tom e o jeito deles não transmitiam isso. Resolveu esperar para ouvir o que eles tinham a dizer.

- Então, filha, nós queremos lhe dar os parabéns por estar sendo uma filha tão obediente e comportada, diferente da sua irmã. Suas atitudes revelam que você vai ser uma mulher muito madura e capaz de resolver seus problemas sempre com calma, independente de quão graves sejam.

- Ver você agir tão calmamente nos motiva a agir calmamente – complementou sua mãe - E com certeza nos ajuda a conseguir lidar com essas situações embaraçosas que sua irmã acaba nos colocando.

     Rita ouvia cada palavra que seus pais falavam. Gostava de obter a aprovação de seus pais, sentia-se feliz com isso. Mesmo sentindo certa inquietação que não entendia e que a desviava por alguns segundos do que eles falavam, conseguiu dizer:

- Obrigada, isso significa muito pra mim. – sorriu.

- Bom, agora temos algo pra você. – Seu pai levantou-se. – Hoje não é o dia de sua mesada?- Seu pai lhe estendeu um bolo de notas. Tinha mais dinheiro do que ela costumava ganhar. – Resolvemos lhe dar um pouco mais, pois sabemos que você merece mais.

     Rita ficou feliz por ter ganho tanto dinheiro, era mais do que ela poderia imaginar. Levantou-se, agradeceu seus pais e encaminhou-se para o seu quarto. Antes de ir, seu pai lhe chamou:

- Rita! – E quando ela se virou, continuou – Não vá gastar tudo em doces, hein!

Rita sentiu um calafrio, suas mãos começaram tremer.

- Como assim? – Percebeu que sua voz também tremia.

Seus pais riram.

- É brincadeira, minha filha- sua mãe disse – nós sabemos que você não vai fazer isso.

     Rita sorriu nervosamente, virou-se e foi para o seu quarto. Encontrou Sabrina no seu quarto e contou pra ela o que lhe aconteceu.

- É, eu já esperava que eles fossem fazer isso – disse ela, desdenhosamente.- De  certa forma não deixa de ser um jeito de me punir.

     Rita sentiu o seu corpo todo tremer, como se aquele dinheiro no seu bolso estivesse fazendo algum efeito de corrente elétrica em contato com a sua pele. Tirou o dinheiro do bolso e deitou-se na cama lentamente, pensando no que iria fazer com o dinheiro.

- E então, o que pensa em fazer com esse dinheiro? – Sabrina parecia ler seus pensamentos.

     Rita pensava no assunto. Não poderia gastar todo com doces, é claro. Mas com certeza uma boa parte dele seria pra isso. 

- Ainda não sei – falou num fio de voz – Ainda vou pensar.

     Naquele momento, tudo que queria era que todo o seu corpo parasse de tremer, mas não pensava em outra solução para isso que não fosse comendo doces.

- Você está bem, está parecendo doente. – Sabrina lhe perguntou, tocando na sua testa.

- Não, eu estou bem, só quero me deitar um pouco. – começou a respirar fundo várias vezes.

     Sabrina aproximou-se dela, já sabia o que estava acontecendo. Sentou-se ao seu lado na cama e colocou sua cabeça no seu colo. Viu que sua mochila estava por perto e pegou-a, abriu um dos bolsos pequenos dela e tirou uma bala, abriu-a e colocou na sua boca.

     O efeito que a bala fez nela não deixou de surpreendê-la. Como sua tremedeira estava passando, os suores secando, e a respiração se normalizando. Sabrina observava tudo espantada e ao mesmo tempo assustada. Não pôde deixar de perguntar:

- O que está acontecendo com você, Rita? O que é isso?

     Rita levantou-se e olhou para Sabrina. Seu olhar assustado, com lagrimas nos olhos só fez que ela sentisse os seus olhos se encherem de lagrimas.

- Eu não sei, Sabrina - sentiu-se soluçar – eu não sei.

     As duas se abraçaram, chorando. Depois de um tempo as duas voltaram a deitar e Rita deitou novamente no colo de Sabrina, que acariciava seus cabelos.

- Eu só sei que eu preciso esquecer...

- Esquecer o quê?

- Eu não sei. Acho que eu fiquei tanto tempo tentando esquecer que aos poucos eu fui de fato esquecendo. Agora tudo que eu tenho são as tremedeiras e essa vontade incontrolável de comer doces.

     Rita não conseguiu continuar, acabou dormindo. Sabrina deixou-a na cama e foi cuidar dos seus estudos. Percebeu naquele momento que era a irmã mais velha e que não só deveria cuidar dela como deveria dar o exemplo pra ela. Começou a fazer isso estudando. Alguma coisa lhe dizia que o dia de cuidar dela chegaria mais breve do que ela e seus pais imaginavam.

...

     Alguns dias depois, Rita teve um pesadelo. Estava nos fundos de alguma loja de doces, vasculhando os sacos de lixo perto da lixeira. Procurava desesperadamente por algum resto de doce, revirava os sacos olhando atentamente. Qualquer coisa serviria, pedaços de chocolate, farelos de pão doce e até mesmo papéis de bala. No meio da sua busca, sentiu alguém vindo atrás de si. Ela sabia quem era a pessoa. Virou-se, olhou nos olhos dela e falou num tom irritado:

- Você! Você é o culpado por causa disso. Eu só estou correndo atrás dos doces por sua causa, pra esquecer você! – Virou-se, continuando sua busca – Vá embora, não quero mais saber de você! Me deixe em paz!

     Aquelas palavras ecoaram, na cabeça de Rita. De repente, acordou e levantou-se num pulo. Saiu da cama e desceu para o banheiro. Lavou seu rosto e olhou-se no espelho. Seu olhar refletido transmitia uma verdade que ela se negava há anos, tentando ignorá-la, achando ser a melhor opção. Ela tinha um problema. Tinha um problema e precisava solucioná-lo. Precisava de alguma ajuda externa, pois sozinha ela não estava conseguindo se ajudar.

- Eu sei do que você precisa. – Disse em voz alta, olhando-se no espelho.

     Saiu do banheiro e foi até o armário da cozinha. Na parte de trás dele havia escondido todos os doces que comprou com o dinheiro da mesada que recebera dos pais. Pegou alguns deles e começou a comer avidamente. Iria procurar ajuda em breve, sabia disso, mas não sabia quando nem como. Enquanto isso tinha a companhia e o consolo dos doces, que estavam sempre lhe amparando nesses momentos de desespero.

     No dia seguinte as duas irmãs acordaram para ir à escola. Enquanto Rita se arrumava, Sabrina resolveu conversar:

- Quero chegar o mais cedo possível. Tenho um teste de química e espero que me ajude a tirar uma boa nota na prova. Estou precisando.

- Mas você sempre foi boa em química. – Rita comentou.

- É, mas eu não estava levando a sério no outro bimestre. Aí acabei me dando mal.

- Não se preocupe, eu vi você estudando todos esses dias, vai se dar bem. – Rita encorajou-a, sorrindo.

     Sabrina sorriu de volta, feliz por ver sua irmã bem. Resolveu continuar a conversa.

- Estive pensando na faculdade que eu quero cursar. Mas na verdade mesmo, eu acho que eu vou correr atrás de um curso técnico de maquiagem. Eu sempre gostei disso, acho que seria bom fazer o curso e já começar a trabalhar.

- Que ótimo, Sabrina, você é boa nisso. Acho que nossos pais vão gostar de saber que você já está pensando numa profissão pra seguir e na sua independência.

     Sabrina avistou uma figura mais a sua frente.

- Aquela não é a sua amiga, Letícia? Ela também está indo pra escola, vamos chamá-la pra nos acompanhar.

Rita refreou-se, com um olhar de raiva.

- Eu não quero nem saber dessa garota.

- Por quê? O que houve?

     Rita demorou a responder, não conseguia olhar nos olhos de Sabrina. Viu que Sabrina não ia desistir de esperar pela resposta, então decidiu falar.

- Ok, mas não conta pros nossos pais, ok?

- Claro.

- Você se lembra do Lucas, aquele menino lindo que eu sempre ficava olhando quando passava pelo corredor da escola?

Sabrina sorriu, já imaginando o que aconteceu.

- Lembro, você ficava babando toda vez que ela passava... - Depois começou a rir

- Não ficava nada, assim eu vou parar de falar com você! – Parecia uma criancinha falando.

Sabrina conseguiu parar de rir e a encorajou a continuar.

- Bom, acontece que ele pediu pra ficar comigo numa festa da escola.

Sabrina ficou feliz e bateu palmas, brincando com ela.

- Que ótimo, maninha! Conseguiu, hein!

- Nem tanto. Eu não fui nessa festa e a Letícia quis ficar com o Lucas. Ela se aproveitou do fato de eu não estar lá pra dar em cima dele, mesmo sabendo que eu gostava dele.

- Que chato! Mas você sabia que ela gostava desse garoto?

- Não, ela sempre me via olhando pra ele e falando dele, mas nunca se manifestou. Mas as outras garotas disseram que ela não parecia estar se importando tanto com o que eu pensava ou sentia.

- Mas você não pode se basear só no que as outras garotas falaram. O certo é você falar diretamente com ela e resolver como fica a situação de vocês duas. Mas, deixe, que com o tempo vocês se resolvem. A propósito, por que você faltou a essa festa?   

     Rita não quis responder. A festa foi num dia em que Sabrina ficara de castigo e Rita quis ficar em casa para lhe fazer companhia. O silêncio dela já fez com que Sabrina entendesse.

- Desculpe, Rita. Eu não queria ter te atrapalhado...

- Você nunca vai me atrapalhar, Sabrina. – Rita falou, olhando nos olhos dela. – Eu nunca vou colocar a minha família em segundo lugar. Especialmente você.

     As duas se abraçaram e seguiram até chegar o colégio. Realmente chegaria o tempo para que ela se resolvesse com Letícia. Iria tentar resolver isso ainda naquele dia.

     Na hora do recreio, Rita deparou-se com Letícia no corredor. Olharam-se nos olhos por alguns instantes. Rita não reconhecia toda a amizade que encontrava antes nos olhos dela. Ela parecia até ter um olhar cínico.

 

- Vai em frente, - ela disse- pergunte o que você quer saber.

 

Rita não resistiu e perguntou a ela:

 

- Por que você ficou com o Lucas?

 

Letícia deu uma risada curta e respondeu:

 

- Por que ele é lindo, todo o mundo sabe disso. O que, só você que pode? Eu quis tirar uma casquinha, aproveitar que você não estava por perto. 

 

Rita não soube mais o que dizer. Letícia continuou.

 

- Ele estava ali na festa, sozinho, esperando por você. Eu disse a ele que você não viria. Ele ficou chateado, nós conversamos e acabamos ficando. É só isso.

 

- Só isso? Você acha que isso é pouco? Como você se sentiria se eu ficasse com um garoto que você gostasse?

 

Letícia sorriu, ainda com um ar cínico.

 

-  Você não faria isso. A vantagem de conhecer você há tantos anos é saber do que você é realmente capaz de fazer. E você não é o tipo de pessoa que rouba namorado de alguém. Você é mais do tipo vítima, do que do tipo perigosa. – Ela seguiu seu caminho, mas acabou virando-se - Se te serve de consolo, ele até que combina com você. Bem apagado, quase sem graça. Vocês combinam.

 

     Rita ouviu cada palavra que ela disse, estarrecida. Não conseguia dizer mais nada, apenas ficou imóvel, observando-a ir em direção as suas novas amigas. Percebeu que elas estavam rindo, só não sabia do quê. Nada tirava a sua cabeça que elas estavam rindo dela. Mas naquele momento nada disso importava. Tudo que ela queria era ir embora dali e comer quantos doces quisesse. Deparou-se com mais um momento ruim da sua vida que gostaria de esquecer.

 

      O sinal tocou. Era hora de voltar pra sala. As duas voltaram separadamente. Rita sentia-se mais aliviada por perceber que estava certa sobre o que ela pensava sobre sua amiga. Percebeu que, realmente, aos poucos aquela situação estaria se resolvendo. Mesmo assim ficou feliz por ter terminado esse episódio.

...

     Mesmo tendo resolvido todo seu assunto com Letícia naquele dia, quando chegou em casa, Rita não conseguia segurar a vontade que tinha de comer doces. Sabia que tinha alguns doces guardados num canto da cozinha, pois era lá que os escondia. Geralmente ela levava os doces até o seu quarto, mas dessa vez estava com vontade demais pra isso. Resolveu pegar todos os doces que podia.

     Eram os doces que ela havia comprado com o dinheiro da mesada. Sabia que havia prometido não gastar todo ele com doces, mas quando menos esperava foi o que aconteceu. Tinha jujubas, pés-de-moleque, bananadas, doces de amendoim, confete de chocolate, barrinhas de chocolate, paçoca, biscoitos, doce de leite e balas. A única coisa que tinha de salgado ali eram os amendoins, de vez em quando ela gostava. Começou pelos pés-de- moleque.

     À medida que mastigava os doces, sentia o efeito do açúcar no seu corpo. Era como se as resposta para todas as suas perguntas surgissem de repente. A paz que sentia quando estava naquele momento era indescritível. Seu corpo amolecia, sua mente vagueava, seu coração se acalmava e ela finalmente sentia que estava em casa, que era ela mesma. Não percebeu que seu corpo descia, não havia nenhuma cadeira por perto, assim acabou sentando-se no chão. Sentia seu corpo amolecer mais ainda, conforme comia os doces, acabou se deitando. Independente da ação que fizesse não conseguia parar de comer os doces. Nem chegou a perceber que se encontrava deitada no chão da cozinha da sua casa.  

 

     Seu pai chegou a casa e a viu deitada na cozinha, com várias embalagens vazias de doces a sua volta. Abaixou-se para segurar Rita e viu que ela dormira. Carregou-a no colo até o sofá da casa e tentou reanimá-la. Ela parecia estar num misto de transe e sono. Não entendeu porque ela estava assim, mas não desistiu até que ela acordasse. Finalmente ela abriu lentamente os olhos e respondeu ao seu chamado:

 

- O que foi minha filha? Você estava deitada no chão com todos aqueles doces...você comeu todos aqueles doces? – ele parecia realmente preocupado.

Rita teve um sobressalto quando ouviu falar dos doces. Levantou-se:

- Meus doces? Onde estão? Você os pegou?

 

     Foi correndo até a cozinha. Recolheu todas as embalagens vazias e jogou todas no lixo. Os doces que sobraram ela guardou. Já não importava mais o fato de seu pai descobrir o seu esconderijo, apenas queria evitar o olhar de seu pai o máximo que pudesse.

 

- Não tem nada, pai. Eu só...fiquei um pouco cansada e... acabei cochilando... foi só isso...

Finalmente olhou pra ele, seu olhar transmitia apenas uma coisa: não queria que ele lhe perguntasse mais nada. Não ia conseguir responder mais nenhuma pergunta.

- Por favor, não conte pra mamãe onde eu escondo os doces, ta bom?

     Seu pai era diferente de sua mãe. Ele a entendia, e respeitava seu silêncio. Mas isso não o impedia de se preocupar. Resolveu tentar outra abordagem.

- Tudo bem. Que tal se formos lanchar fora, ao invés de comer almoçar aqui em casa?

     Rita surpreendeu-se com essa proposta. Geralmente seu pai era quem mais fazia questão de comer em casa. Mas Sabrina estava no curso, sua mãe havia saído, realmente não havia necessidade de fazer comida só pra duas pessoas. Resolveram sair.

 

     Foram para a lanchonete que Rita mais gostava, ela e seu pai pediram seus lanches e foram sentar-se a mesa. Conversaram então.

 

   - Como foi a escola?

   - Foi boa. Esse ano parece que vai ser mais puxado do que o que passou, mas eu estou conseguindo lidar.

     Seu pai logo viu que o problema não era com a escola, pois suas notas ainda eram boas e ela parecia feliz quando falava de lá. Mas ele percebeu qual problema poderia ser.

 

- É muita pressão pra você, não é querida?

 

Rita olhou nos seus olhos e percebeu a que ele se referia. Tentou segurar suas lagrimas.

- Nada que um bom momento relaxante não resolva.

 

     Os dois sorriram um pro outro, num sinal de cumplicidade. Seus lanches chegaram e eles começaram a comer e conversar. Resolveram falar sobre assuntos triviais, que não comprometeriam ninguém. Quando finalmente acabaram os dois foram embora sentindo-se mais felizes e aliviados. Rita não entendia bem o que estava acontecendo consigo mesma, mas ficou feliz em poder escapar daquilo tendo a ajuda de uma das pessoas que mais lhe importava.    

 

     À noite, seus pais conversaram um pouco sobre Rita. Seu pai não quis lhe contar tudo que aconteceu naquela tarde, apenas disse:

 

   - Acho que estamos dando tanta atenção pra Sabrina por causa dos seus problemas que estamos esquecendo a Rita. E eu estou um pouco preocupado com ela.

     Sua mãe não entendeu o porquê daquele assunto, mas mesmo assim disse:

- Pode ser isso mesmo, querido. – suspirou- é que ela sempre foi tão ajuizada, centrada, certinha...- sorriu – até demais. Acho que a gente acaba esquecendo que ela é nossa caçula e precisa da nossa atenção também. O meu irmão está vindo pra cá, deve chegar por esses dias. Antes de ele chegar, eu vou planejar fazer alguma coisa com ela, dar mais atenção. E depois que ele for embora, eu continuo da onde eu parei.

 

     Seu marido sorriu, satisfeito, deitando-se na cama. Não quis protestar com relação a visita de seu cunhado na casa, mas alguma coisa nele lhe perturbava e ele não sabia bem o porquê. Resolveu e deixar suas preocupações com suas famílias, esposa e cunhado para o dia seguinte. Ainda não conseguia tirar a imagem de sua filha caída no chão da cozinha, praticamente em coma diabético da sua mente. E tinha medo de que isso nunca fosse acontecer. Alguma coisa lhe dizia que ele não ia conseguir mais ver sua filha caçula do mesmo jeito que via antes.

...

 

     Rita chegou da escola e viu sua mãe sentada no sofá da sala, olhando algumas fotos. Aproximou-se:

- Oi mãe, que fotos são essas?

     A mãe desviou os olhos das fotos e olhou para Rita, com um sorriso terno:

- São algumas fotos de vocês quando eram pequenas e da nossa família antigamente. De repente fiquei com vontade de vê-las.

     Rita gostava de olhar as fotos. Foi até a cozinha pegar um copo de água e depois voltou pra sentar ao lado da mãe.

- Olhe essa daqui – Sua mãe lhe estendeu uma foto – Vocês eram tão engraçadinhas juntas quando pequenas, aprontavam todas...

     As duas riram. Rita pegou outras fotos. De repente, uma sensação boa lhe invadiu. Sensação de nostalgia, ternura e alegria por estar revendo alguns momentos tão marcantes em sua vida. Lembrou-se de bons momentos em que viveu com seus pais e sua irmã que infelizmente não voltariam. A voz da sua mãe lhe tirou desse devaneio:

- Olhe essa daqui, lembra dessa pessoa?

     Rita olhou para a foto. Sentiu que havia lhe escapado grande parte das sensações boas que sentia. Não conseguia falar nada:

- Esse é meu irmão, Antonio, seu tio. Ele vai vir semana que vem ficar alguns dias aqui. Lembra dele?

 

     Rita não podia esquecer-se. Olhou fixo pra foto por uns momentos e de repente não quis mais ficar ali. Levantou-se devagar, ainda sem conseguir falar. Percebeu que deveria falar alguma coisa, pois sua mãe esperava um a resposta. Tudo que conseguiu dizer foi:

 

- Lembro sim – Pegou sua mochila – Eu tenho dever de casa. Depois eu vejo mais.

     Todas essas palavras saíram num fio de voz. Tentou não correr até o quarto, mas foi quase impossível.

 

     Entrou no quarto rapidamente, jogou sua mochila num canto da cama e sentou-se num outro canto. Encolheu as pernas e abraçou-as, numa posição que julgava ser a mais segura e confortável. As palavras de sua mãe não paravam de ecoar na sua cabeça: “lembra dessa pessoa?”, várias e várias vezes repetiam na sua mente. Como poderia esquecer? Era tudo que pensava. E, no fundo, tudo o que gostaria era de ter a resposta pra essa pergunta: Como poderia esquecer???

     Em parte, a resposta pra essa pergunta veio a sua mente. Levantou-se, foi até seu esconderijo no armário e pegou todos os doces que ainda havia ali. Espalhou todos na sua cama e ficou olhando pra eles por um momento. Sua vontade era de devorar todos de uma vez só, mas ela sabia que sua irmã ia chegar logo. Assim, ela pegou uma sacola, colocou os doces nela e escondeu num canto do quarto. Sua irmã chegou cinco minutos depois e ela percebeu que fez a coisa certa. Iria devorar os doces de madrugada, como já havia acontecido antes e ela não conseguia evitar.

     Rita levantou-se de madrugada, pegou sua sacola de doces e foi até a cozinha. No caminho ela passou pela sala e viu uma foto em cima da mesinha. Era uma foto sua pequena, sua mãe deve ter esquecido de guardar. Foi até a cozinha com ela e sentou-se no banco, ainda olhando pra foto. Aquele lugar não lhe era estranho, ela lembrava daquela foto, de quando foi tirada, mesmo sendo bem pequena. Algo lhe incomodou demais naquela foto. Sua vontade de comer doces aumentou. Abriu a sacola, pegou os doces, e começou a comê-los. Ela não sabia de outra forma pra tentar esquecer. Entregou-se ao seu remédio e relaxou. Sabia que todo aquele doce poderia lhe causar um coma diabético, mas mesmo assim não se importou. Quem sabe dessa forma ela não descansava.

     Sabrina despertou e sentiu muita vontade de beber água. Levantou-se, viu que Rita não estava na cama, mas evitou se preocupar com antecipação. Foi até a cozinha e de repente teve motivos pra se preocupar. Viu Rita deitada no chão da cozinha, dormindo, o rosto molhado de lagrimas e muito sujo de açúcar. Abaixou-se até ela, tentando não fazer barulho, segurou-a e começou a reanimá-la.

 

- Rita, meu deus, o que está acontecendo com você, querida?         

 

     Rita começou a despertar e Sabrina conseguiu sentá-la na cadeira. Depois ela recolheu todas as embalagens do chão e jogou no lixo. Depois ela carregou Rita até o quarto e deitou-a na cama. Não conseguia parar de se preocupar com ela. Sabia que tinha de pôr um fim nisso.

 

- Nossos pais vão saber disso, maninha. – Falou, sabendo que ela não escutava. – Eu sinto muito, mas eles vão saber.

 

     Acariciou os cabelos da irmã por uns minutos e depois foi dormir. Sentiu como se um peso estivesse sobre ela. Sabia que era a responsabilidade de ser a irmã mais velha. E por mais que lhe doesse expor sua irmã desse jeito, ela sabia que se não fizesse isso, podia correr um sério risco de perder uma das pessoas mais importantes da sua vida e ela não podia permitir isso. Fechou os olhos e tentou dormir pra se preparar para o dia seguinte.

...

     Sabrina não sabia como iria começar essa conversa com os seus pais. Resolveu ir direto ao ponto. Rita estava, em cima, no quarto, fazendo os deveres de casa e não saberia da conversa, não naquele momento. Começou a falar:

- Acho que Rita tem um sério problema com doces.

    Esperou pela reação de seus pais. Sua mãe olhou-a sem entender, mas seu pai ficou calado, pensativo por um tempo.

- Mas, da onde você tirou isso, Sabrina?

     Sabrina relatou o episódio da cozinha da noite passada. Sua mãe não conseguia acreditar.

- Meu Deus, como nós nunca ficamos sabendo disso? – olhou para o marido – como que isso conseguiu passar tão despercebido por nós?

     Samanta percebeu o silêncio de seu marido e ela o conhecia muito bem pra perceber do que se tratava.

- Você já sabia? Você já sabia do que estava acontecendo?

     Nem Sabrina estava esperando por isso, olhou chocada para o pai.

     Arthur tentava pensar nas palavras certas pra dizer, não queria que sua esposa ficasse chateada com ele. Contou pras duas sobre o dia em que encontrou a sua filha caída no chão da cozinha.

- Você não deveria ter escondido isso de mim, Arthur! – Samantha levantou-se – Eu sou a mãe dela, eu tenho que saber!

- Eu sei querida, desculpe – Arthur levantou-se – Mas naquele momento, eu percebi que tudo que ela precisava era de um alívio, um conforto, alguém que não a censurasse, um refúgio e eu tentei fazer isso por ela. Mas eu não te contei porque eu achei que aquilo não ia se repetir mais. – olhou pra Sabrina – Eu não sabia que isso ia se tornar um hábito.

 

Sabrina hesitou em dizer:

 

- Na verdade, eu acho que esse comportamento da Rita está piorando, ela sempre amou comer doces, mas nunca vi tanto exagero da parte dela. Acho que isso começou a piorar de uns dias pra cá.

- E pode piorar cada vez mais se nós não tomarmos nenhuma providência... - Olhou para seu marido e sua filha – O que podemos fazer? Como podemos abordá-la?

- Podemos fazer uma intervenção – disse Sabrina – Pode funcionar. Ela pode admitir que tem um problema e que precisa de ajuda.

     Samantha concordou com Sabrina, ainda apreensiva.

- Você tem razão, não vai ser fácil, mas pode funcionar.

     Arthur chamou Rita para a cozinha e ela logo percebeu que algo estava acontecendo, mas não quis antecipar as coisas. Sentou-se numa das cadeiras e esperou que eles começassem a falar.

 

- Rita, sabemos que você tem um problema com doces.

- Eu não tenho problemas com doces, pai!

- Não adianta negar mais, querida! A Sabrina já nos contou sobre ontem e eu me lembro do dia em que eu encontrei você quase desacordada com um monte de doces a sua volta. Infelizmente, eu não tive coragem de encarar esse problema de frente, mas agora eu percebi que não dá pra adiar mais. – Olhou para Rita – Não tente negar mais, filha, você sabe que a negação é pior.

 

Rita pensou em um monte de argumentos para usar com seus pais, mas não agüentou mais os olhares deles. Começou a chorar.

 

- Desculpem, eu tento evitar, tento me esquivar, mas eu não consigo. É como se os doces me chamassem, como se eles me dominassem! – olhou nos olhos de seu pai – é como se eles me devorassem e não o contrario.

     Aquelas palavras mostravam quão grave era o problema de Rita. Eles sabiam que não conseguiriam lidar com aquela situação sozinhos. Arthur pegou as mãos de Rita, que ainda chorava e tentou consolá-la.

- Filha, nós queremos ajudar você, mas antes você precisa querer nossa ajuda. Queremos levar você ao medico primeiro, ver se esse consumo de doces chegou a fazer algum dano em você. Depois queremos te levar numa psicóloga para que você descubra a origem desse vicio. Mas nada vai funcionar sem o seu consentimento. – guiou o rosto dela na direção do seu – Você aceita a nossa ajuda?

 

     Rita ainda não conseguia levantar os seus olhos para olhar os do seu pai, mas conseguiu balançar a cabeça positivamente. Sentiu o abraço carinhoso de sua mãe e voltou a chorar. Seu pai dirigiu-se ao telefone e discou um número, ela não ouviu a conversa. Logo ele voltou.

 

- Marquei uma consulta pra você amanhã de tarde. Vamos começar logo a cuidar de você.

 

Sabrina proximou-se de Rita, com um olhar de receio:

- Eu espero que você não fique chateada, espero que você entenda que isso foi necessário. - Colocou o braço nos seus ombros. - Nossos  pais tinham de saber.  

    Rita nao disse nada, apenas olhou pra ela, com um leve sorriso no rosto. Sentia seu rosto molhando com as lágrimas que saíam dos seus olhos. Eram lágrimas de vergonha e alívio.

 

     Rita sabia que um dia teria que enfrentar seus problemas, não sabia que seria tão rápido, mas ficou feliz de saber que seu problema estava prestes a acabar. Em breve ia esquecer das suas ansiedades e poderia levar uma vida normal como qualquer menina de quinze anos.

     

     Depois de ter feito todos os exames necessários, o médico ficou olhando os resultados, antes de chegar a alguma conclusão:

 

- Bem , pelo que parece, o consumo de doces não chegou a afetar o índice de glicose no sangue dela. A pressão arterial dela também está boa.

 

     Arthur e Samantha suspiraram de alívio. Um problema a menos. O doutor continuou:

 

- Mas se o caso é tão grave como vocês falaram, o melhor que vocês fazem é descobrir a raiz do problema, entender o porquê de ela ter tanta dependência de doces.

 

Samantha concordou com ele.

- Mas como podemos fazer isso?

- Eu vou recomendar uma psicóloga pra ela se consultar, pode ser um bom começo. – entregou um cartão para eles. – Ela pode ajudar a cuidar bem do caso dela.

 

Eles levaram o cartão, na esperança de que o problema da filha deles pode estar perto de acabar.

 

- Psicóloga?? – Rita perguntou, receosa – Acha que isso é mesmo necessário?

 

     Arthur consentiu, entregando o cartão pra ela.

 

- Acho que isso pode ser o melhor. Você precisa conversar com alguém sobre tudo que está se passando na sua cabeça e saber lidar com isso. Se nem você sabe direito como isso começou, quem sabe se consultando com ela você descobre.

 

     Rita sabia qual era o seu problema, só não sabia como ia conseguir conversar sobre isso com uma psicóloga, uma mulher completamente desconhecida. Começou a ficar tensa com essa situação, mas resolveu se conter para não recorrer aos doces. Só naquele momento ela se deu conta de que realmente os seus pais podiam ter razão, ela realmente estava com um  problema e uma pessoa de fora poderia ajudá-la. Assim, resolveu acatar o conselho do pai e deixou que ele marcasse uma consulta com a doutora, para solicitar a sua ajuda.

...

 

    No primeiro dia da consulta, Rita não sabia direito como se comportar, sentou-se de maneira desajeitada no divã e não quis se deitar, não se sentia à vontade com isso. Olhou a sala da doutora, prestando atenção aos detalhes que encontrava: a mesa de madeira grande e bonita, estilo antigo, a arrumação dos papeis por cima dela, o quadro bonito na parede e as cores sóbrias da sala. Não sabia que tipo de impressão aquela decoração deveria passar.

 

- Tudo bem, Rita? – A voz dela a tirou do seu devaneio. Olhou pro rosto delicado da doutora, seus óculos num estilo moderno e seu sorriso simpático. – Eu sou a doutora Bruna, muito prazer – Apertaram as mãos brevemente – Pode ficar a vontade pra conversar sobre o que quiser.

 

     Rita respirou fundo e começou a contar tudo sobre o seu problema com doces. A necessidade que tinha de devorá-los, a falta que sentia por eles não estarem mais ali com ela, e que tipo de situações a faziam sentir maior vontade de consumi-los. Bruna a escutava com atenção, anotando tudo que achava interessante e só interrompendo poucas vezes. Enquanto falava, Rita se sentia melhor e bem mais à vontade. Percebeu que seu pai fez bem em tê-la convencido a se consultar.

    Bruna precisava conhecer Rita primeiro antes de estabelecer qualquer prognóstico sobre ela. Percebeu o quão retraída ela estava no começo e como conseguiu se sentir mais à vontade depois. Conseguiu fazer algumas anotações importantes enquanto ela se comunicava e achou que tinha um bom material para trabalhar. Realmente, ela tinha um problema e os doces acabavam funcionando pra ela como uma válvula de escape. Mas ela ainda precisava descobrir quando e como e o que começou com isso. Sabia que isso ia demorar.

 

- Bem, Rita, encerramos por hoje e eu fico feliz por você ter conseguido conversar comigo.

 

     As duas se levantaram e se despediram. Rita gostou dessa experiência e não se importaria de repetir. Foi embora pra casa, pensando se nas próximas consultas seria capaz de ser um pouco mais profunda nas suas confidências para que a doutora  a ajudasse a tratar da sua doença antes que ela piorasse.

 

     Na semana seguinte, Rita foi se consultar novamente com a psicóloga. Parecia ainda mais apreensiva do que na outra vez. Bruna percebeu isso, mas não quis pressioná-la.

 

- Aconteceu alguma coisa, Rita? Você parece bem nervosa.

     Rita percebeu que estava um pouco trêmula. Não conseguia evitar, sentia-se nervosa demais. Mesmo assim, conseguiu respirar fundo e começou a conversar:

- A minha mãe...me disse que o meu tio, irmão dela vem nos visitar neste fim-de-semana.

 

     Bruna percebeu que aquilo a preocupava mais do que o normal. Percebeu que poderia estar chegando perto de descobrir a razão dos problemas de Rita. Esperou para que ela falasse mais.

 

- Eu queria te mostrar uma coisa – remexeu na sua bolsa, tirou uma foto e entregou-a.

 

- Esse é o meu tio, na ultima vez em que ele veio nos visitar. Nessa foto ele está comigo e a minha irmã no colo.

 

     Bruna olhou pra foto. As meninas pequenas no colo daquele homem apenas transmitia uma idéia de amor entre tio e sobrinhas. Não havia nada que indicasse alguma coisa de errado ali. Mas seus anos estudando a mente humana e sua incrível capacidade de dissimulação só a faziam  pensar que algo podia estar errado.

 

- Rita, tente falar comigo...- fez uma pausa – eu sei que tem algo incomodando muito você e eu quero te ajudar a lidar com isso. O que te incomoda tanto de encontrar o seu tio?

 

Rita percebeu que não ia conseguir esperar mais. Precisava falar, aquilo lhe corroia por dentro, o que a fazia recorrer  aos doces. Não dava pra adiar mais, tinha que dizer.

- Aconteceu uma coisa nesse dia que ninguém sabe, nem na minha família. – Ajeitou-se no divã para olhá-la nos olhos. Nem parecia que era ela mesma dizendo aquelas palavras, sentiu-se como se fosse outra pessoa falando. – Eu preciso te contar tudo que aconteceu.

 

     Cada palavra que falava era como se fosse um peso a menos nos seus ombros que fosse aliviando. Não se sentia capaz de dizer aquelas palavras, mas também não conseguia mais se interromper. Observava as expressões faciais da doutora, às vezes de choque, às vezes de pena. Sentiu seus olhos encherem-se de lágrimas, mas nem isso atrapalhou. Quando terminou, as lágrimas desceram de vez, sentiu-se envergonhada, mas não pôde evitar.

     Bruna absorveu cada palavra dita por Rita e, apesar de chocada, não podia dizer que estava surpresa. Já viu muitos casos parecidos com esse ao longo de sua carreira. Pegou uma caixa de lenços da sua mesa e entregou alguns pra ela, esperou que ela se acalmasse e procurou usar as palavras mais adequadas para ajudá-la. O motivo da sua compulsão por doces já havia sido descoberto. O próximo passo seria conversar com sua família sobre isso e esperar pelas reações.    

 

                                                                                                  ...

     Os pais de Rita encontravam-se de frente pra mesa de Bruna, esperando que ela começasse a falar. Bruna aproveitou por uns segundos pra prestar atençao na postura deles mediante aquela situação de expectativa. O pai de Rita parecia mais nervoso, mas estava querendo manter a calma, pois sabia que havia algo de errado com a sua filha e ele sabia que teria que ser a pessoa mais forte dos dois no momento. A mãe de Rita parecia ainda mais nervosa, como se estivesse se dando o direito de se desesperar, pois sabia que havia algo de errado com a sua filha. Bruna percebeu que não adiantava fazê-los esperar mais e resolveu começar a falar.

 

- Bom... infelizmente as notícias que eu tenho não são muito boas. Eu conversei com a Rita e, pelas coisas que ela me falou, deu pra entender o porquê de ela estar tão estranha e obcecada por doces.

- E por que seria? - Samantha perguntou, já não conseguindo disfarçar a ansiedade.

     Bruna fez uma pausa, antes de perguntar: 

- Há quanto tempo vocês não veem o tio dela, seu irmão, dona Samantha?

Samantha ficou surpresa com a pergunta, olhou pra ela como se não tivesse entendido o que ela lhe perguntou.

- Tem um bom tempo, mas o que isso pode ter a ver com o que está acontecendo com a Rita?

     Bruna fez uma pausa antes de voltar a falar. Posicionou-se na sua cadeira e tentou usar a postura mais profissional possivel, tanto nas palavras quanto no tom de voz.

- Eu vou explicar o que está acontecendo com ela, mas tudo o que eu vou dizer agora são as mesmas palavras que ela disse pra mim. Quero que entendam isso.
 
     Bruna principiou a falar.
...
     Samantha e Arthur chegaram em casa, ainda chocados por tudo o que ouviram a doutora falar. Simplesmente não podiam acreditar que tudo aquilo acontecia bem debaixo do teto deles e dentro de sua familia. Samantha respeitava e tinha muito carinho pelo seu irmão e ele nunca deu a entender que tinha tendências de fazer esse tipo de coisa. Independente do q fosse, sabiam que tinham que resolver essa situação.
 
- Você está bem, querida? - a voz de Arthur tirou Samantha de seu devaneio. - quer ir deitar no quarto?
      
     Samantha olhou para o marido. Ainda tinha o semblante bondoso e afetuoso de quando eles se casaram, mas dessa vez seu olhar era mais sério. Samantha sabia que ele entendia que ela não conhecia esse lado do irmão dela, mesmo assim ela sentiu vergonha.  Sentiu que devia ter reparado antes, devia ter feito alguma coisa. De certa forma sentia que havia alguma parcela de culpa nisso.
 
- Sinto muito, Arthur, não queria que tivéssemos passando por isso...
 
     Arthur acariciou os seus cabelos lentamente.
 
- Eu sei, querida, eu sei. Mas a culpa não é sua, não podemos prever tudo o que vai acontecer com nossos filhos. E, por mais que convivamos e amemos nossos
familiares, não podemos garantir que o conheçamos plenamente. Não se culpe, Poupe suas energias pra quando ele chegar e possamos resolver isso.
  
        Samantha desencostou-se do ombro dele e levantou-se. 
 
- Você está certo, mas eu sou mãe, não tem como não me preocupar e me culpar por isso - começou a chorar - Ela é a minha menina...não queria que ela sofresse assim...ela não merece...
     
     Arthur levantou-se para abraçá-la, enquanto ela soluçava e chorava no seu ombro. Não precisou dizer muita coisa, só ficou ao seu lado, amparando as suas lágrimas. Os dois ficaram juntos assim por um longo tempo, até que ele a convencesse a subir pro quarto, tomar um banho e se deitar. Ela nem quis comer nada, estava exausta, mas ele insistiu que ela pelo menos tomasse um copo de suco. Depois disso os dois foram se deitar.
  
      Sarah estava ouvindo a conversa de seus pais da escada. Ia descer pra perguntar pra eles como foi na psicóloga, quando ouviu tudo o que eles falavam. Não conseguiu evitar, sua curiosidade falou mais alto. Terminou de ouvir todo o desabafo de sua mãe e todas as palavras confortadoras de seu pai pra ela.Quando percebeu que eles estavam subindo, correu para o seu quarto da forma mais silenciosa possível. Abriu a porta e entrou.
  
   Encontrou Rita sentada na cama, q teve um sobressalto na hora em que a viu. Sarah não disse nada, apenas aproximou-se da cama, próximo da onde ela estava e olhou no rosto dela. Rita olhava pra ela, sem entender o que ela queria. Depois de alguns segundos se olhando, Sarah finalmente conseguiu dizer:
 
- Bem, agora você pode me contar sobre o que o nosso tio fazia com você?
 
     Rita olhou pra ela, hesitante. 
 
- Calma, Rita, você contou pra psicóloga, então eu acho que pode contar pra mim também. Eu prometo não contar pra ninguém.
          
     Rita olhou pra ela, sentindo-se estranha. Mesmo assim, tomou coragem e começou a falar. Em algum momento ela teria que contar. E, de certa forma, sentia-se aliviada por isso. Era um alívio saber que aquele pesadelo estava perto de acabar. 
 

     - Às vezes...quando a minha mãe saía de casa e você não estava por perto...ele vinha brincar comigo...

Sarah assentiu.

- Eu lembro disso...era na épca em que ele morava aqui perto...

- Sim...-  Rita ajeitou-se na cama – um desses dias, ele aproveitou que ninguém estava por perto e perguntou se eu queria um doce. Eu disse que sim, “que criança não quer doce?” eu pensei. Aí, ele me disse pra eu sentar no colo dele e...começou a me tocar...- sentiu seus olhos lacrimejarem novamente e sua voz embargou – ele dizia que era só...um tio fazendo um carinho na sobrinha..

Sarah olhava pra ela, horrorizada com tudo o que estava ouvindo.

- Que horror! Como que o tio Antônio foi capaz de fazer uma coisa dessas? A mãe confia tanto nele, deixava ele tomando conta da gente direto...

     Naquele momento, Sarah percebeu o que estava acontecendo.  Era obvia a diferença entre elas duas, apesar de não terem uma diferença tão grande na idade. Sarah era mais escancarada, falava sempre o que pensava, sabia se impor e não aceitava fazer o que não concordava. Seria difícil pra ela sofrer algum abuso e ficar calada. Já Rita era mansa, falava baixo, não gostava de discutir e sentia uma necessidade quase que exagerada de agradar as pessoas. Uma pessoa mal-intencionada teria percebido isso. E foi o que aconteceu. Ele pegou a presa mais fácil. Ficou feliz porque ela finalmente quis falar.

- Então é por isso que você está com esse vício tão grande de doces?

Rita assentiu, ainda sem olhar pra ela.

- Depois que ele acabou, ele disse que ia me dar os doces, porque eu fui uma boa menina. Disse também que esse seria o nosso segredo, e comendo os doces, eu esquecia dos meus problemas...nunca esqueci essa frase...

- Disgraçado!  - não conseguiu evitar de reagir assim. Abaixou-se pra olhar nos olhos dela. – Mas isso não vai ficar assim, ok? Nós vamos fazer ele pagar por tudo o que ele fez! Ele não vai sair impune!

- Sim, mas como vamos conseguir que ele faça isso? Ele é da família, pode alegar um monte de coisas. Além disso, já faz tanto tempo que nem tem como provar isso através de exames...

Sarah olhou pra ela. Entendia o que ela queria dizer. Fazia muito tempo que aquilo tinha acontecido. Não tinha nem como provar com algum exame físico. Além disso, ele era de fato da família, uma hora ele iria reaparecer nas suas vidas. Sentia-se impotente mediante essa situação. Sabia que, se seu tio estivesse ali naquele momento ela não iria se controlar. Dificilmente ele sairia intacto daquela casa se aparecesse ali. Aproximou-se dela e acariciou os seus cabelos.

- Não se preocupe, ele nunca mais vai fazer mal nenhum a você. Isso eu posso prometer...- abraçou-a – Você está segura agora, vamos proteger você.

     Rita retribuiu com o seu abraço, segurando seu ombro de maneira inconsciente. Sentiu seus olhos encherem-se novamente e começou a soluçar. Não conseguia falar mais nada, apenas abraçava sua Irmã, agradecendo internamente por ter tido finalmente a coragem de se expor. Lamentou não ter  feito isso antes, mas entendia que tudo tinha o seu momento. Sentia-se cada vez mais aliviada a cada vez que falava e chorava por isso.

     Sarah abraçava Rita, sentindo o aperto das mãos dela nos seus ombros. Não entendia totalmente o porquê de ela não ter contado antes, mas imaginava o motivo disso. Ficou imaginando o quanto ela deve ter sofrido pra esconder o que sentia, o quanto ela deve se lembrar do que acontecera, e o quanto ela deve ter tentado viver uma vida normal, mesmo com todas as lembranças e aflições. Sentiu seus olhos se encherem de lágrimas também. Era como se estivesse sentindo a dor que ela lhe transmitira em si mesma e era forte demais. Percebeu que suas mãos também estava apertando os  ombros  dela, e mesmo em meio às lágrimas e soluços, conseguiu dizer:

- Você não está sozinha...nós vamos cuidar de você...

     Samantha e Arthur estavam na sala, acabando de conversar, quando viram Sabrina entrar pra falar com eles. Olharam pra ela, não tão impressionados com o seu rosto inchado e a maquiagem borrada. Já imaginavam que Rita teria contado tudo pra ela. Simplesmente esperaram que ela começasse a falar.

- O que vamos fazer com relação ao que aconteceu?

     Eles não esperavam uma abordagem  tão direta da parte dela. Mesmo assim responderam:

- O seu tio deve chegar nesse fim-de-semana. Não conseguimos avisá-lo pra não vir...

Sarah olhou pra eles indignada:

- O quê? Mas como que a gente pode recebê-lo aqui, como se nada tivesse acontecido? Esse cara não pode chegar nem perto da Rita...

- Eu sei, Sarah, - disse Samanta – mas acontece que isso é uma coisa necessária, precisamos falar com ele sobre isso...

- Sim, precisamos confrontá-lo, e não dá pra fazer isso à distância – completou Arthur – mas não se preocupe, filha, não vamos deixar que isso seja esquecido ou ignorado.

     Sarah parou pra pensar no que eles acabaram de dizer. Realmente fazia sentido. Mesmo assim, estava inconformada com a situação.

- Entendi. Mas Rita e eu não vamos estar aqui em casa. Não vamos conseguir falar com ele...sequer olhar pra ele...muito menos recebê-lo aqui...

- É justo, vocês podem passar o fim-de-semana fora. Vai ser até melhor pra nossa conversa.

      Sarah assentiu, suspirando.

- Ainda não consigo acreditar no que aconteceu com ela...como ele pôde fazer isso...- sentiu seus olhos lacrimejarem novamente.

Arthur passou o braço em volta dos seus ombros para confortá-la.

- Eu sei, querida...realmente não dá pra entender, por isso precisamos agir friamente nesses casos, senão podem haver graves conseqüências e queremos que a justiça seja feita, até porque ele ainda é irmão da sua mãe...

     Sarah olhou pra sua mãe. Ela parecia aflita, como se estivesse prestes a desabar. Como se só tivesse se lembrado daquilo naquele momento, foi até ela e abraçou-a.

- Sinto muito pela senhora, mãe, a culpa não é sua...na verdade não é de nenhum de nós...- olhou pro seu pai – Por favor, não deixe que isso acabe sem qualquer tipo de justiça...

     Arthur aproximou-se delas e abraçou as duas.

- Não se preocupe, vamos resolver isso...

     Continuaram a conversar mais um pouco e depois foram dormir.